Torcer por um time de futebol local é uma maneira de resistir
Em 1970, em
plena ditadura militar, o Brasil viveu uma felicidade em meio a tanta tristeza.
O país que vivia o fim do chamado “milagre econômico” assistiu, naquele ano, a
Seleção Brasileira comandada por Pelé se consagrar tricampeão mundial. Com um
fator importante: foi à primeira Copa do Mundo televisionada em território
nacional. Com isso, o futebol, que já era bastante popular, se tornou ainda
mais reconhecido.
Em 70,
quando o Brasil bateu a Itália na final da Copa por 4 a 1, os brasileiros
sentiram orgulho de sua nação. O sentimento de pertencimento voltou a permear a
alma dos apaixonados pelo esporte.
Mesmo
vivendo um início de crise econômica e um regime bárbaro, que censurava
artistas e a mídia, o futebol trouxe uma “luz no fim do túnel” para um povo.
Pelé
foi o grande nome da conquista de 70 (Foto: Getty)
E não foi a
primeira vez que o futebol mexeu com a emoção de todo um país – nem a última.
Até hoje, o jogo praticado com os pés envolve multidões de torcedores que têm
no futebol uma maneira de esquecer os problemas sociais. Esse esporte, ainda
mais, tem o potencial de unir cidades e estados. Além disso,
acaba sendo o primeiro contato de uma criança com o sentimento de
pertencimento a sua cidade natal.
Atualmente,
na Paraíba, existe uma grande parcela de torcedores de times de fora do estado.
Principalmente para clubes da região do sudeste, como Flamengo, Vasco,
Fluminense, Corinthians, Palmeiras, etc. Times esses que, além de ricos,
possuem forte espaço na imprensa nacional.
Muitos
desses fanáticos por futebol nunca refletiram o porquê de apoiarem clubes de
estados tão distantes do seu, mesmo que na Paraíba exista grandes equipes,
como Botafogo,
Campinense e Treze.
A questão é
que torcer por um time local acabou virando sinônimo de resistência.
Resistência à influência e poder dos grandes centros do Brasil.
Um torcedor do Campinense que sente
isso na pele é Wendell Queiroz, estudante de economia, que enxerga no futebol
uma forma de pertencimento e orgulho de ter nascido em Campina Grande-PB. Esse
sentimento, muitas vezes, acaba não existindo em torcedores de clubes de fora
do estado.
“Com certeza ir ao estádio da minha
cidade, apoiar o clube que carrega as cores e a tradição do meu estado é uma
representatividade e afirmação de onde eu sou, do orgulho que tenho da minha
terra natal. É também uma forma de resistência que vejo do tamanho de
torcedores paraibanos que torcem para times de fora, eu sempre falo com orgulho
que o único time que amo e torço é o da minha terra natal”, afirmou Wendell, torcedor da Raposa.
Em Campina Grande-PB, interior da
Paraíba, uma rivalidade aquece o sentimentos dos cidadãos campinenses. Treze e
Campinense fazem um duelo que é conhecido nacionalmente, o Clássico dos
Maiorais.
A rivalidade, no futebol, é um dos
maiores combustíveis da paixão. Jogos como Campinense versus Treze
(ou Treze versus Campinense) criam um sentimento
de ligação muito forte com a sua cidade.
Como é o caso do trabalhador autônomo
Sófoles Cordeiro, popularmente conhecido como Baduzinho, de 42 anos. Trezeano
“doente”, Baduzinho é o maior colecionador de camisas do Galo de toda a cidade.
No total, já são 148, segundo reportagem do Verminosos por Futebol, de 2019.
Baduzinho com sua coleção de
camisas (Foto: Rubens Melo)
O autônomo é mais um dos milhares de
torcedores que veem no futebol uma maneira de resistir e de se sentirem
representados por suas cidades.
“O Treze, além de uma tradição em
torno do número, forma um clássico muito nivelado com o Campinense. Esse dérbi
é popular por ser um dos maiores e mais disputados do Brasil, além da questão
de ser jogado no interior. O fato deste dérbi dividir a cidade de Campina
Grande cria uma raiz com a população de forma que o futebol local é
valorizado e divulgado”, explica
Baduzinho, dono de quase 150 camisas do Galo da Borborema.
A rivalidade sadia também faz a
cidade repercutir nacionalmente, visto que tamanha disputa mexe com o cotidiano
das pessoas.
“O dérbi dos Maiorais para a cidade
de Campina Grande. Geralmente, em transmissões de um dos times, o narrador em
questão sempre acaba citando o rival, incluindo também a
folclórica questão da camisa 13 – que não é usada por torcedores do Treze
por representar a torcida, e que também não é usada por torcedores do
Campinense, por motivos óbvios de rivalidade. Além disso, há uma repercussão
nacional sobre um dos maiores clássicos de interior, disputando por exemplo com
Caxias e Juventude e Ponte Preta e Guarani”,
lembrou o autônomo.
Porém, se esse sentimento de
pertencimento existe dentro de Campina Grande-PB, em João Pessoa-PB, capital do
estado, não é diferente. A cidade em que o sol nasce primeiro tem o maior
campeão estadual da Paraíba, o Botafogo.
A equipe Alvinegra possui a maior
torcida do Estado, conforme pesquisa feita pela Revista Época, em 2018.
Diferentemente de Campina, João
Pessoa não possui dois clubes que façam um clássico tão disputado quanto o dos
Maiorais – por mais tradicional que seja, o “Botauto” é completamente
desequilibrado. Com isso, a cidade acaba monopolizando suas forças no time da
Estrela Vermelha.
Recentemente, a torcida do Botafogo
vem se tornando referência na conscientização da importância de torcer e valorizar
o futebol local. Um lema muito famoso entre os adeptos do clube é “a Paraíba
tem time para torcer”, se referindo aos fãs que preferem acompanhar
equipes de fora da Paraíba – que são conhecidos como “mistos”.
Torcida do Belo festeja classificação para a final
da Copa do Nordeste 2019 (Foto: Paulo Cavalcanti)
Estudante de Direito e amante do
Belo, Vinícius Ferreira, 19 anos, lembra que além da resistência à cultura
exterior, apoiar os times do estado também ajuda na economia regional.
“Na relevância e na
representatividade, ao passo que o Botafogo cresce e roda o Brasil em jogos, o
nome da cidade vai junto. Sem falar na importância econômica. Bares e
restaurantes lucram com jogos passando pela TV e também as marcas que tem seu
nome estampado na camisa aparecem pra todo o Brasil”, disse o jovem estudante.
Como disse Vinícius, o Botafogo leva
o nome de sua cidade para todo o país. O futebol traz essa possibilidade de
levar o nome de uma cidade, muitas vezes desconhecida, para o restando do país
– e às vezes pro restante do mundo.
Amante do esporte e criador do portal
Esportes Mais, o jornalista Wesley Contiero, natural de Lins-SP, explica como
um clube de futebol pode ajudar na economia, turismo e propaganda do município.
Seu exemplo é o Linense, clube de sua cidade.
“O clube é a identidade da cidade,
pois em muitos locais as pessoas não conhecem Lins, que é uma cidade pequena do
interior de São Paulo, mas sim o Linense. Sem contar todo o fator econômico, já
que o clube movimenta o turismo, quando recebe grandes jogos, com visitantes
ficando hospedados em hotéis e consumindo no comércio local. Tudo isso também
gera empregos diretamente e indiretamente”, explica o jornalista.
O fato é que desde muito cedo os
paraibanos são ensinados a torcer para clubes de outros estados. Como foi a
experiência de Wendell, que hoje é raposeiro de coração.
“Quando eu era pequeno, por
influência dos mais velhos, eu torcia pelo Flamengo. Eu via as cores iguais e
muitos adultos do meu meio social torcendo por ele e eu acabei aderindo. Quando
fui ficando um pouco mais velho, eu vi que eu não sentia emoção e nem vontade
de vestir as camisas ou de comemorar gols do outro clube que não seja o
Campinense. Quando o Campinense jogava, eu sentia algo diferente. Quando era
gol, eu gritava e comemorava como se aquele grito saísse de dentro da alma.
Vestir a camisa do Campinense é um orgulho gigante. Os títulos e conquistas da
gente são muito maiores e mais significantes do que eu poderia sentir por outro
time de fora. Então eu vi que meu único amor, minha única camisa a ser vestida,
era do time da minha cidade, do meu povo. E, hoje, desde os meus 11 anos, é meu
único time”,
conta o estudante de economia.
Entretanto, aos poucos, a força das
torcidas das grandes equipes paraibanas vão levando o nome de suas cidades como
forma de representatividade e tentando mudar esse cenário.
Mais uma vez o futebol tem influência
na vida social das pessoas.
FONTE:
https://esportesmais.com.br/futebol-paraibano-sentimento-resistencia/
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